O prenúncio do horror foi sonoro.
A avalanche de lama, pedras, máquinas pesadas e todo o tipo de natureza retorcida chegou primeiro aos ouvidos dos moradores de Bento Rodrigues. “Pelo barulho que ouvi, achei que era o mundo acabando”, nos contou uma senhora que, um dia após a hecatombe, com os olhos secos de tanto chorar, tentava decifrar o que restou de seu lugar.
Eram quase três e meia da tarde de 5 de novembro, um dia quente, como de costume na vida do vale, e seco, como tem sido 2015 no centro-sul de Minas Gerais. Depois deste momento, nada mais foi como antes. A barragem de rejeitos de minério do Fundão, com cerca de 55 bilhões de litros de lama espessa, rompeu-se sobre os 7 bilhões de litros de rejeitos, esses mais líquidos, da barragem de Santarém. A combinação de lama e água virou uma bomba sobre a terra seca. O mundo não acabou como pensou a senhora. Mas uma parte dele sim.
Do Fundão ao Oceano Atlântico, são quase oitocentos quilômetros de morte e tragédia, que expõem, em cada local, um novo problema de uma interminável lista: a exploração minerária em si, a segurança do trabalho, a falta de planos de emergência, a dificuldade do acesso à água, a falta de respeito (e amor) pela natureza; o ancestral descaso com os direitos indígenas.
Estava avisado
O Ministério Público mineiro já havia registrado preocupação com a Barragem do Fundão
As primeiras pistas para entender o que ocorreu nas barragens da Samarco — empresa brasileira de propriedade da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton — surgem em 24 de outubro de 2013. Naquela quinta-feira a tragédia foi anunciada em documento oficial, de autoria do Ministério Público de Minas Gerais.
O promotor de justiça Carlos Eduardo Pinto encaminhou parecer para o Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (COPAM-MG), órgão do Governo do Estado, sobre os riscos de revalidar a Licença de Operação da Barragem no Fundão, expirada em setembro de 2013. Usando-se de um laudo do Instituto Prístino, o promotor fazia alertas claros, ao apontar o perigo do contato da Barragem do Fundão com pilhas de estéril de uma outra imensa mina em Mariana, essa de exploração exclusiva da Vale, chamada Fábrica Nova.
É preciso explicar:
Rejeito” é tudo aquilo que não é usado após o beneficiamento do minério, e é armazenado em barragens. Já o “estéril” é o material que envolve o minério, e é desprezado ou removido no processo de lavra, ainda na mina. Esse material também pode ser alocado na própria mina, disposto em pilhas ou usado para terraplenagem.
O estudo diz: “Esta situação [do contato da barragem com as pilhas de estéril] é inadequada para o contexto de ambas estruturas, devido à possibilidade de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos. (…) O contato entre elas não é recomendado pela sua própria natureza física. A pilha de estéril requer baixa umidade e boa drenagem; a barragem de rejeitos tem alta umidade, pois é reservatório de água”. O contato entre os dois materiais (que pode ser visto nos pontos tracejados da figura), segundo a Prístino, dificultaria a drenagem da barragem.
Em outros dois trechos assustadores — e agora sabe-se, proféticos — o parecer do Ministério Público mineiro foi além. Pedia que três pontos fossem condicionantes para a revalidação da licença.
- a) Realizar monitoramento geotécnico e estrutural periódico dos diques e da barragem, com intervalo máximo de um ano entre as amostragens.
- b) Apresentar plano de contingência em caso de riscos ou acidentes, especialmente em relação à comunidade de Bento Rodrigues, distrito do município de Mariana-MG.
- c) Realizar análise de ruptura (DAM — BREAK) da barragem, prevista para ser entregue à SUPRAM (Superintendência Regionais de Regularização Ambiental).
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